domingo, 5 de maio de 2013

chafariz


A vida é uma via de um só sentido

De um sentir-se às vezes só, às vezes desmentido

Por que a mulher sem vestido não pode se banhar no chafariz sem me arrancar um ó!?

Sem me flagrar a inveja travestida de compaixão daquela paixão desfazida noite passada entre nós

(quero me banhar com ela tanto mais não possa...)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Passa passará



O perfume do escuro
A curva distraída do som
A jornaleira na calçada passando batom
O amor alheio pichado no muro
Tudo invisível até que um poema olha pra lá

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Acordar


Manhã cortinada de cerração
Esperto quem espera,
Ou quem aperta o passo no caminho?
Quem desperta num pulo pra lida
Ou quem fica ainda mais um pouquinho
Debaixo das cobertas
A ruminar escolhas
E lamentar o tempo que plana suicida
feito bolha de sabão?

domingo, 24 de março de 2013

Triângulo


O cheiro mortiço dos pingos descascando o parapeito, a ladainha suicida da água calha abaixo, a latência seca no estômago, tudo chamava o seu nome sem parar, atropelando os planos para a liberdade inédita. Fosse como fosse, era melhor o lado de lá da vidraça, com tudo o que ele permitia e ameaçava, do que a chuva climatizada do exílio. Ângela ficou uns minutos ali debruçada, depois se secou, vestiu a roupa da véspera, fechou a mala magra e deixou o hotel.
Ouvindo o ronco cronometrado do trem, Ricardo tirou do bolso o bilhete remendado e acomodou a mala na boca do partidor. Quase na hora, e ele ainda não tinha certeza.  Antecipar o retorno não fora ideia sua. Por ele, ficavam pelo menos até não haver mais tanta ameaça nos comentários. Mas a convicção de Ângela e a cerveja da noite passada lhe roeram os argumentos normalmente riscados a régua e que o faziam mais orgulhoso que feliz.  De qualquer modo, nada adiantava: a sombra dela já serpenteava nos trilhos.
- Vamos lá? - os cabelos úmidos davam à jovem  um ar de oportuno desamparo.
- Eu pensei melhor hoje de manhã – tateava a oportunidade - não dá pra tomar uma decisão dessas de cara cheia. Ainda dá pra desistir...
- Desistir? Desistir foi quando a gente fugiu pra cá que nem criminoso... Além do mais, foi a Miranda quem quis assim. Esqueceu? Chega de adiar. Hoje a gente janta na nossa casa. Ninguém teve culpa.
Embarcaram enfim, enquanto o temporal ia rascunhando nos trilhos o caminho pela frente.

...

Não foi de repente.  Há tempos Miranda vinha sentindo vertigens que logo passavam e que nem sempre se repetiam. Talvez por medo de acabar como a mãe, condenada à compaixão de todos e ao sacrifício de uns poucos, ignorou os sintomas, tocando a vida sem planos nem pensamentos sombrios.
Passava a maior parte do tempo no jardim, enterrando as unhas naquele solo obediente e sentindo uma eletricidade morna lhe subir pelas veias. Ali agachada, arrancando as ervas daninhas do amor-perfeito, esticou o braço para alcançar o telefone que tocava do outro lado do canteiro quando tudo escureceu em volta. A última coisa que sentiu foi um gosto primitivo de terra revirada.  E agora, quem ia cuidar das flores? Acordou desorientada entre desconhecidos. O cheiro estéril e as falas costuradas levavam e traziam uma lucidez que durou o suficiente: estava no hospital.

...

Já tinha escurecido quando Ângela e Ricardo chegaram. Ninguém mais na rua de paralelepípedos e casas geminadas, só silhuetas no fundo amarelo das janelas, jantando e vendo TV. Melhor assim. Exceto pelo canteiro de amor-perfeito dominado pelo mato, a casa continuava envolta na habitual atmosfera de harmonia, a presença de Miranda impressa em cada parede, cada grão de poeira suspensa ou em repouso, onde era claro e onde era escuro. Aquele equilíbrio quebradiço pesava sobre os ombros de Ricardo mesmo depois de cinco anos. Ninguém teve culpa.
 ...

Miranda não acordou da anestesia. O tumor e o coma transformaram sua mente num borrão de lembranças inacessíveis. Aconteceu exatamente como ela previra. Não havia outra coisa a fazer. Ninguém tinha culpa.

...


Ângela e Ricardo levantam cedo para ir ao hospital. Visitam a irmã pela última vez. É uma despedida sem palavras e sem desculpas. Entregam ao médico a autorização para desligar os aparelhos, e voltam para casa antes que a vizinhança acorde.

domingo, 10 de março de 2013

humanos



08:30. 19 graus em frente à prefeitura. Gente indo, vindo e ouvindo nos fones dos telefones. Vendo no piloto automático. 
O chafariz tombado do século XVIII atrás das grades não chama a atenção. Os rasantes dos pombos chamam. Espaço aéreo perigosamente congestionado.
A mulher para, atira pipoca no chão e redesenha a paisagem. O céu clareia, o chão escurece. A cada arremesso, o alvoroço da disputa, o espasmo sincronizado da mancha cinza sobre a calçada. Mas o balé dos bichos não impressiona a gente. 
08:35. 19 graus em frente à prefeitura. Vou indo. Não tenho fone, tenho fome.



vaga-lume (poesia prosaica a quatro mãos)



Farol de neblina
mente pirilampa
no painel do carro a estampa
mulher, filha, já faz quanto?
ele ainda lúcido
elas ainda meninas
a luz apaga num instante
e quando acende já era outro chão
vazio
golpe seco
seca o frio
Os olhos correm afoitos em volta do carro, se fixam na janela e nos retrovisores. As luzes se apagaram. Nada se vê. Só o silêncio de metal do automóvel. Nina, a mais velha, pega uma lanterna dentro da bolsa e aponta o feixe de luz para o motorista. Ele, que antes ocupava o cargo de avô, só consegue dizer: "Não vejo mais. Não vejo nada"
Olhos secos, mãos molhadas
cobertor e um rajada de vento
um momento de dor aliviada
um luz, uma cruz, de novo a estrada
engolindo a sombra branca borrifada
noite que não passa de mais um esquecimento
que não sabe mais
que não teme mais
que não sente mais nada.

Mara e Wagner

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

poetaria


O que me faz poeta é o que de mim escondo
é o quanto não durmo
é o tanto de felicidade alheia que presumo
é o fumo
é o trago
é o pouco estrago que essa brasa ateia
Minha poesia não é o passo, é o tombo

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

carnaval


não falo muito
só falo enquanto
o surdo descansa e no entanto
por um triz assim calada
fico esperando
vivo ensaiando
morro desfilando na cidade tão só quanto iluminada


piropo no boteco


quando a gente se encontrar
leve papel e caneta
que eu vou te rimar
leve um olhar meio à espreita
que eu vou atocaiar
leve, sem culpa ou receio
que o futuro é só um meio         
de levar a gente pro mesmo lugar

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

búzio


vejo uma dor forte que passa
vejo o rei menino que chora
vejo um vento que vem do norte
e açoita a nuvem a espora
o que vejo é  longe ainda que forte
uma profecia de velho com medo
que ignora
que o tempo é o caminho do alento
que amar não carece atropelo
que apostar é o segredo da sorte
e duvidar é o exílio da morte.

durma com os anjos

Durma com os anjos
sonhe com santos de muitos nomes
e um Deus sem rosto pra quem nem tudo se pede
e que nem sempre responde
durma comigo na agenda do telefone
acorde sem saber onde
jurando que ainda era ontem

Papel picado


Francisco picava papéis numa empresa do governo. Empresa grande, dessas que produzem muita burocracia. O que não era aproveitável ia para a reciclagem. Trabalho ecologicamente correto, e consideravelmente volumoso.
Oito da manhã, mal Francisco batia o ponto na repartição, já tinha uma pilha esperando. Da mesa ao lado, Amélia lhe sorria servil. Assim ironicamente apelidada pelo pessoal do RH, a fragmentadora de papel nada tinha de humilde; era uma máquina de última geração, importada, controles digitais automáticos, toda em preto e prata e linhas aerodinâmicas. Fora comprada no apagar das luzes da última gestão. Era temperamental. Se não fosse operada estritamente conforme o manual, podia mastigar até um braço magro, ou mesmo um salário magro que escorregasse do bolso por distração.
Era magro o salário de estagiário. Mas os sonhos de Francisco não. Ter uma Ferrari vermelha igual à da tela do computador, ter uma casa no Moinhos, ter Micaella – ah!... que mulher a mulher do Gordo!...Como é que uma deusa daquelas foi cair justo na lábia do Armando?... Logo ele que nem carro tinha, nem morava em lugar nenhum... Só podia ser coisa daquela papelada.
-    Bom dia, Francisco.
-    Bom dia, seu Armando. (gordo patético - pensava entre dentes)
-    Vou te deixar esses papéis aqui pra descartar, tá? Vê se dá uma prioridade, hein?
-    É pra já, seu Armando.
Todo dia era a mesma coisa. Logo depois do almoço, lá vinha o Gordo com o bafo de cebola e cafezinho e os tais papéis pra descartar com prioridade. Será que ele beijava Micaella com aquela boca indigna? Será que Micaella sabia que o marido mandava descartar toneladas de papel todo dia? Será que ela sabia o que diabos tinha naqueles papéis???
Francisco não sabia. Nunca tinha olhado. Era antiético espionar o lixo dos chefes. Não, ele não olhava, mas se divertia imaginando os segredos pestilentos daquelas folhas que viravam tirinhas inofensivas na obscura boca da Amélia.
Aquela noite Francisco demorou a pegar no sono. Um calor além do normal vertia das paredes da quitinete; no teto baixo, o ventilador dava voltas cada vez mais espichadas... Um desfile de rostos lhe assombrava por entre as pás. Micaella ria, o Gordo ria, Amélia ria dele. Todas as bocas escancaradas, tirinhas de papel no lugar dos dentes tentando lhe dizer uma coisa... Mas ele não conseguia ler por mais que apertasse os olhos... Tudo fragmentado e pastoso... Acordou suado e atrasado. Nem teve tempo de tomar banho. Nem teve outro pensamento o dia inteiro. O que os papéis queriam lhe dizer? Os papéis...
Quando chegou à repartição, Amélia lhe sorriu com uma cumplicidade profética, como se lhe adivinhasse. De tarde o Gordo trouxe mais do que papéis. Trouxe Micaella.  Ela parecia nervosa amassando um pequeno envelope pardo entre as mãos muito brancas... Aquelas unhas vermelhas nas pontas dos dedos... Sem o Gordo notar, enfiou o envelope no meio da pilha, e deu uma olhada significativa para Francisco. Uma coincidência? Um sinal?... Não trocaram palavra, mas o sonho e o sorriso de Amélia, e aquele olhar... Seria uma premonição? Francisco sentiu um frio na boca do estômago. E lembrou que não comia nada desde ontem.
O refeitório já estava vazio àquela hora da tarde. Sentado na cabeceira da mesa de 40 lugares, Francisco ruminava a frio. O que o sonho queria lhe dizer? O que os papéis queriam dizer? O que Micaella queria? Engoliu a última garfada do risoto mal requentado, e tomou a decisão: não dava mais pra adiar, ia ler os papéis do Gordo. Deixou meio copo do suco de soja pra trás.
Condescendente, curiosa até, Amélia concordou em esperar pela investigação. Francisco chaveou a porta do aquário canelado, agachou-se diante da pilha que jazia no chão, e leu a primeira folha. No início, constrangido e excitado pela transgressão inédita. Leu mais uma, e mais uma, e mais... Mas será possível?... Hesitou. Depois riu. Gargalhou em silêncio. Terminou comovido. Quem diria... Quem diria, hein, Amélia? O Gordo escrevia versos! Bons versos. Então, por que mandava picar tudo???  
Ainda estava tentando entender a sandice do Gordo, quando chegou ao envelope pardo. Tinha uma fotografia ali dentro. Mais que isso. Era a peça que faltava no quebra-cabeça... Desde que ele tivesse as outras peças...
No dia seguinte, Micaella voltou à repartição. Francisco lhe devolveu o olhar e o envelope.  Ela percebeu que a foto não estava mais ali, e que chegara a hora de contar a história toda, enquanto o Gordo pegava café na máquina.
-    A gente se conheceu na noite de autógrafos do primeiro livro dele. – ela sussurrava, e Francisco tinha que chegar mais perto – Foi amor à primeira vista, logo na primeira página eu convidei ele pro meu apartamento. – ela senta no corrimão da escada.
-    Hum...
-    Ele tem muito talento, a carreira ia decolar, mas... – cruza a perna esquerda
-    Mas...?
-    O Armando não teve culpa, foi um acidente. Como é que ele ía adivinhar que o Nandinho tava descendo a serra a 140 bem na hora que ele ligou pra contar do contrato com a editora? Na foto tem tanto ferro retorcido que não dá pra ver nem a placa do carro! Quanto mais reconhecer o corpo... – cruza a perna direita agora
-    ?!...
-    Depois que o irmão morreu, o Armando nunca mais publicou. Toda noite ele escreve, passa em claro, e eu junto...  No dia seguinte... tu já sabes, né. – descruza as pernas finalmente.
Francisco ouve tudo num fôlego só. Mas não sente pena. Nem do Gordo nem de Micaella nem do irmão morto. Só sente alívio. Por não ter um irmão daqueles e por não ter uma mulher daquelas. Por não ter uma vida fragmentada pela dúvida e pelo remorso, cheia de pontas soltas. Melhor assim. Cada um tem a felicidade e a infelicidade que lhe convém (era mais ou menos isso que a mãe lhe dizia).
O Gordo volta do café e deixa mais um calhamaço. Enquanto Micaella vai embora para nunca mais voltar, Francisco lubrifica Amélia. Afinal, teriam serviço dobrado hoje.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

matrioshka

A boneca na vitrine
imóvel e muda me sorria
no espelho refletido
eu via um boneca russa
com outra boneca dentro
e mais outra... quantas havia?
vestido igual, cabelo igual, mesmo sorriso
tudo menor e repetido
tudo ao redor
rua, carro, gente, movimento
aborrecido
parados ficamos
esquecidos cada um a esperar suas luas
enquanto o mundo a cabresto dá mais uma volta
e o tempo acredita que a linha continua
continuamos parados
a contar os meses
e medir a barriga
e sentir as dores
da boneca parida
de outra boneca igualzinha
identidade
calados só rimos dos nossos três choros
espelhados no vidro da maternidade



Salve!


Salve  a camada de ozônio
e os aniversários na agenda
e pro futuro aquele dinheirinho...
Salve um amor, uma lenda, um poema
numa língua que ninguém entenda.
Salve no canto da boca aquele risinho...

Salve um afogado e uma mulher parindo
num verso que sequer rima.
Salve alguma sabedoria e muitas anedotas.
Salve um padre, um cientista e um idiota.


Salve no pen drive, DVD,  o cassete...
Salve (se) quem puder
Já que de nós só se salvou este bilhete.

inferência artificial


Eu escrevo
Sem ideia do que digo
Palavras no limbo binário
on-off.
O símbolo é transitório e movediço
Não derruba a parede de números
0-1,
É compulsório:
Devolvo as charadas por debaixo da porta
E espero
Que você me decifre,
E eu aqui, me devorando imóvel
Me ensaiando tanto
E ainda pisando em ovos

banca de jornal


Manhã engarrafada
sinto o frio da moça nua
na revista pendurada.

haicai de fé


Cerração.
A torre da usina fura o céu.
A da igreja não.

soneto da esquina


E pode a um só tempo o espaço
Parecer sem fim e por assim dizer opressivo
Que a distância de uma margem a outra dos ponteiros
Faz de te esperar um círculo obsessivo?

Teu futuro não sei onde atravesso
Será que não notei algum sinal contrário?
Passa carro, passa gente, chance passa e eu espero
Será que anotei errado o horário?

Roo as unhas, faço planos nesta esquina precária
Onde o tempo do relógio é pastoso e imaginário
Tatuado há muito no meu pulso.

Desisto enfim noite alta
Deixo ali batom e salto
O fim não é mais que um impulso.

etílico


equilébrio
cambaleio à tua porta
me convida pra entrar
que a casa ainda guarda aquele rangido
que não toca no assunto
que Deus o livre
que descanse em paz de armistício
quem dera se largasse um vício com pouca dor
quem dera
abrelogoessagarrafaqueeuqueroentraramor!!!!!!!!!

o equilíbrio
que agora me foge eu nunca tive de fato
o anel  que tu me deste era de vidro
e eu pensei que o amor era ouro
e que o prazer era outro
e o que fazer se quebrou?
Tiraarolhadaminhabocaqueeuquerogritarqueerateuomeuamor!!!!!

o ébrio
que morava nos cantos da casa
onde não se faz visita nem faxina
tropeçou na palavra proibida de voltar atrás
e agora?
toc
toc
toc
não me manda embora
não se varre casa a essa hora da noite.

cama de vento


Caía a tarde na cordilheira quando ela se deitou na cama de vento.
O recorte de ouro nos olhos bem abertos
para o que já não tem espaço nem tempo.
Alado é o instante em que tudo perece.
Azul é a cor do nada.
Branco, ocre, verde, a terra tem pressa.
Cair é a distância que cresce
entre a lente de espanto tingida
e a musa de morte caiada.

coincidEnte



o destino que nos espera é aqui e agora
o destino que nos espera é aqui e
o destino que nos espera é aqui
o destino que nos espera é
o destino que nos espera
o destino que nos
o destino que
o destino
odes
ao
.
.
.
desatino
do último minuto
no final das contas
do rosário onde a reza
mastiga o tempo e o tempo mitiga a fé
uma coincidência de aqui e agora. Deus é mais?
(nos espreita logo ali fora o destino que odes espera...)

amantíssimo

amor não é pra ser ingerido
digerido
dirigido
ou decente
o amor mastiga a gente
sem tempo pra desmaios
é tudo no superlativo
onde o pra sempre é o único quando
e o agora é cheio de ensaios

on the rocks


eu não amo on the rocks
com soda e modicidade
o meu amar é cowboy
se não for inteiro
se não for a seco
se ao menos dói
não é amor, é felicidade
eu quero ser feliz, é claro
daria almas por isso
mas o que tenho a dar é um corpo
que já nasceu perdido
que já cresceu mestiço
que só não morreu de tédio
porque mais tarde tenho um compromisso

nação


fala
falo
falatório
pra calar o ajuntório que se faz ao teu redor, 
meu rei de tantos tiranos
de tantos feitos notórios
que fico eu de tocaia
o precipício não é senão preparatório
a queda suspendida
pelo mais branco dos panos
a reza presumida
pelo mais velho decano
o rei se curva
de vermelho e ouro
ao velho de orô e manto
o alá nos põe de joelhos
o rei e o mensageiro
ambos vermelhos
outrora bantos
agora
só filhos de santo
santificado seja
oxalufado esteja
entre nós
teu canto
silenciou jamais

ambíguo


gosto do desvio no caminho quase no fim
do jogo de sombra e cor,
meu caro
gosto pelo sentido e pelo sem sentido da dor
e do prazer,é claro
muito ou pouco ou raro
ou nem tanto assim

como se morre de amor noutros Dias


Uma fascinação, uma fissura,
de repente tudo é urgente,
tudo muda de figura.
O chopinho vira uma festa.
O violão, uma orquestra.    
Um que mal definido entra em ebulição.
Mas amor não é.
É só fervura.
Ninguém morre dessa queimação.

Amar é ter a alma em nevralgia entre o vício e a virtude.
Ser capaz de um tudo.
É entender Deus e ser feliz.
A um só tempo, ser triste e miserável e sozinho no mundo,
e agradecido pedir BIS.

Isso é amor, e desse amor se morre de overdose.

Amar é covardia.
É telepatia, telecinese,
é telefonar de madrugada e desligar antes de falar.
É não poder encarar.
Escancarar jamais.

Isso é amor, e desse amor se morre de febre recolhida.

Amar é correr o risco de ser amado
e, num dia de tédio do Destino,
separado.
É assim ser condenado sem juiz nem corte
a vegetar insone
e a invejar quem morre.